Inatingiveis 2024
2024/03/19
Triptico do medo
2024/03/18
Viver a desrespeitar
Viver o sol,
As fases abstratas da vida,...
Viver de gato na mão quando o corpo pede solidão,
Viver como aminoácido,
A processar razões para entender o caminho que se desdobra,...
Viver a desrespeitar frases feitas,
Virgulas fora do sítio,
E entoaçôes falsas,
Como carne de sabor adulterado,...
Viver sem pedir as licenças que,
Se exigem,
Num texto que se quer,..
Sem fim
2024/03/17
Linhas firmes
2024/03/16
O senhor Ayoama
A casa do senhor Ayoama falava por si
própria. Dizem que sim, pelo menos. Eu concordo, só de a observar de longe,
enquanto espero que o sol baixe na rua contígua.
É uma construção antiga, com balaustrada íngreme e a aparentar instabilidade.
Quase parece que a tragédia pode estar iminente. Tem janelas de tamanhos
diferentes, todas com portadas e cortinados velhos e amarelecidos pelo tempo e
a poluição da rua movimentada. O senhor Ayoama raramente se deixa mostrar. É
uma figura preponderante da tradição japonesa que a minha rua sempre teve.
Tinha chegado ali há uns 30, 40 anos, com o pretexto de abrir um negócio de
quiropatia. Foi ficando, casou-se com duas mulheres que, segundo se diz, o
deixaram por se terem consumido numa tristeza de razões que nunca foram realmente
percebidas pelas pessoas.
O senhor Ayoama tinha raízes desconhecidas. Andava agora pelos 80 anos, apesar
de a aparência o levar para pouco mais de 60. Todos o
cumprimentavam quando, manhã cedo, saía de casa para um passeio ao centro da
cidade. Usava um chapéu de feltro, um sobretudo acastanhado a que aparentava
ter um grande amor. Calças de tweed, e sapatos de bico fino, que lhe
dificultavam um pouco a locomoção.
Mas nem isso lhe tirava uma boa
disposição que todos apreciavam. Após alguns minutos na rua, voltava a casa com
um saco parco de compras. Mercearias para abastecer a casa, e flores. Todos os días
flores, que usava com frequência para embelezar os parapeitos da janela de
casa.
Outra atividade que se reconhecia ao senhor Ayoama era a pintura. Em especial
quando o tempo aquecia. A meio da tarde, quando a brisa vinda da foz do rio lhe
entrava pela casa dentro, envolvendo-se numa dança virginal com os cortinados
envelhecidos, o idoso japonés era visto concentrado em frente a uma tela. Do
exterior era impossível perceber o que pintava. Apenas que a arte lhe
proporcionava alegría. Um sorriso insólito e permanente, que podía observar, e
me deixava também feliz.
Um dia, o senhor Ayoama pareceu ter-se fartado do que tinha sido a sua vida das últimas décadas. As pessoas começaram a ver várias carrinhas paradas à
porta de casa, com estafetas empenhados em carregar os parcos haveres do
respeitoso oriental. Até que uma jovem de pele alva, olhos rasgados, e total
discrição, surgiu em frente ao prédio. Pressionou a campainha que dizia
respeito à casa do senhor Ayoama, este surgiu à janela sorridente, e mandou-a
subir.
Por algum tempo, dedicado ao meu passatempo dos inícios de tarde de há muito,
vi-os parados na janela da divisão de casa onde normalmente o senhor Ayoama
pintava. Falavam, sem que percebesse sobre o quê. Ocasionalmente, ele punha-lhe
a mão nos ombros, e abanava-a muito levemente. Talvez um aspeto do
relacionamento pessoal oriental que desconheço. E fazia frio, uma súbita
descida de temperatura naquele canto caldo do mundo, quando o senhor Ayoama
saiu pela última vez do prédio onde tinha morado por tanto tempo. Veio
acompanhado pela sua jovem e desconhecida amiga, Segurava uma mala de xadrez,
com um pedaço de tecido, quase mínimo, a pender do fecho. Ela trazia dois vasos
com flores. Quando chegaram à rua, olharam ambos para cima. Os primeiros pingos
de chuva surgiram, e selaram a despedida do que foi um raio de sol que abraçou
aquele canto do mundo. O senhor Ayoama. Desconheço onde possa andar agora.
2024/03/15
Um dia o mundo acaba em declive
a terra sem pássaros,
árvores de morte
espalhadas sem critério,...
um caminhar pesado,
que se arrasta,
o mundo acaba em declive,
e o homem sorri,...
desenha no ar as ideias
fortes de uma vida,
e o chapéu,
e a roupa que quer,....
chove,
a carne consome-se
em dor,
e o homem mantém-se,
erguido,
enquanto lê
o que o planeta escreve,
em fogo
2024/03/14
We don´t care about us
lados,
a vergonha é uma
cara,
o desespero a outra,....
o meu amor pesa arrobas,
tem o mundo todo
dentro do sorriso,
e o desejo esgotado pelo fogo,...
o meu amor
está na chama
que desvanece,
foge da chuva,
tem pés de alento,
e corpo de incúria,...
o meu amor somos nós,
eu e tu como balões,
que só param onde
este mundo acabar,
e aí num raio de luz,
faremos de nós
um amor que foi,
e talvez continue,
para sempre a ser
2024/03/13
Insinuante e erótico
Finalmente o medo,
De todas as saídas possíveis,
Prefiro as formas desconhecidas,
O peso inocente e reconhecido da falta de virtude,...
O medo que chega sempre desacompanhado,
De roupas soltas,
Lábios deformados,
Insinuante e erótico nos atos,...
Por isso até o tolero,
Sentado imóvel à mercê do vento que,
Anuncia o inverno,
Permito que ele venha para ficar
2024/03/12
Formas geométricas invisíveis de ti
Mentimos e as veias pulsam,
Há um caminho para ti que os jornais anunciam,
E o vento sopra de mim,...
Não tenho pele para a solidão,
Havia formas de desleixo,
Que só existem em mim na roupa que espalho para trás,
Nos sustos do gato quando fecho a porta para sair,
No teu cheiro,...
Há formas geométricas invisiveis de ti,
Que dormem comigo,
Fogem comigo,
E encimam esta amálgama de confusão,
Em que me vejo transformado
Tirado daqui2024/03/11
Eyes wide shut
Tirado daqui
2024/03/10
O que de pior, o real tem
desfigurações,
rostos queimados,
um bolso vazio de amor,...
concebemos uma solução,
o que passe por equilibrar
uma notícia,
e uma morte,...
assim esperamos da manhã
uma vontade,
da tarde a ilusão,
e da noite o que vier,...
as pessoas anónimas,
o que somos,
os que aceitam
o que de pior,
o real tem
2024/03/09
...talvez um beijo
pequena,
sincera,
devota,
uma pessoa sem rebordos,....
está vento,
admiro-te pela
inteligência,
para ti números
são corpos,
que importa desbravar,...
e o silêncio,
as noites perdidas algures,
são para pensar,
descredibilizar o ser,....
uma pessoa analítica,
e pensa-se tanto quando
tudo é sensorial,....
talvez um beijo,
perceba esta
conversa sem palavras
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Tirado daqui Contos do Congo, Mbomo República do Congo, Fotografia de Pieter Henket, 2018. o ar, a terra sem pássaros, árvores de morte...
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Finalmente o medo, De todas as saídas possíveis, Prefiro as formas desconhecidas, O peso inocente e reconhecido da falta de virtude,... O m...